Não se trata de um desabafo.
Trata-se sim de uma reflexão sobre a espécie, de um memorando ao mundo, de um esporro coletivo.
Estou com uma sensação estranha, um estado zen de passividade anti-revolta, como se eu estivesse entrando nessa onda de energia conformista, onde os princípios básicos viraram tão básicos que quase nada mais indigna e quase tudo recebe o status da normalidade.
Parece que o ato de demonstrar indignação, passou a ser grife, passou a ser apenas uma maneira de mostrar a sociedade que: - “Ei vocês, olha só, eu tenho caráter, eu não aceito”. No fundo o que importa é o próprio quintal, o resto é normal, não machuca a própria carne, então olhamos sem ver.
Votamos em um analfabeto para deputado federal, como pretexto do deboche, mas no fundo estamos apenas refletindo nossa própria imbecilidade mascarada de protesto.
Traímos nossas esposas, maridos, namorados e namoradas. Banalizamos os sentimentos que deveríamos preservar e até contamos vantagem por total falta de assunto nas mesas de bar.
Oferecemos um cafezinho pro guarda na blitz para aliviar o IPVA atrasado, compramos um “baseadinho” só para relaxar e depois reclamamos que a polícia é corrupta e idolatramos o ex-capitão Nascimento com o que eu chamaria de falso pudor, ou ainda indignação incoerente.
Sensibilizamos-nos com mineiros resgatados no Chile, mas poucos ocupam o seu tempo e inteligência para criar novas Fênix para resgatar as crianças que imploram atenção por trás do vidro, entre as balas, sem educação e sem ar-condicionado.
Aceitamos sem nojo aos deputados e senadores brincando de Deus, se escondendo atrás de seus conselhos de “ética”, de suas revoltantes imunidades parlamentares e da falta de repulsão imposta ao povo que se acostumou a ser pisado de boca fechada.
Baboseira... muita baboseira. Alguns de vocês devem estar pensando agora que tive uma noite mal dormida, acordei com ressaca de consciência e falta de senso da vida real. Meus amigos, hoje tenho a utopia do mundo em que a honestidade é high fashion e que pensar no próximo não é apenas uma frase idiota dita na igreja que vamos semanalmente, acreditando que nossos pecados estão sendo pagos com dízimos e ofertas.
Basta de hipocrisia, basta de achar que não fazemos parte de um todo, mesmo que ele não tenha trilha sonora.
Basta de revolta modista pela morte dos filhos que vendem jornais. Vamos nos revoltar também pelos filhos das pobres, negras e faveladas que morrem diariamente calados, sem ponto no IBOPE, sem comoção nacional.
Basta por hoje e amanhã vamos ver como acordarei.
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