Ontem passei em frente ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro e pra quem ainda não viu, ficou maravilhosa a restauração, pelo menos por fora. É digna de orgulho para nossa cidade. Pena não passar lá na frente com mais freqüência, mas, por outro lado, sou obrigado a passar todos os dias na frente de um enorme elefante branco chamado de Cidade da Música.
Sou um cara movido a música e daqueles que acham que a vida sem música seria um erro, mas me envergonho todos os dias por passar na frente de um projeto caça níquel, que está custando aos cofres públicos 670 milhões de reais. Sete vezes mais que o orçado.
Agora imagina você e sua mulher fazendo o orçamento do mês e estimam gastar no supermercado 500 reais. Apenas um dos dois vai ao supermercado e sai de lá com uma compra mensal de 3.500 reais. No mínimo é briga de uma semana, beirando o divorcio, certo?
Desses 670 milhões, quantos realmente foram para a obra da Barra da Tijuca e quantos foram parar em São Conrado, aos pés do imperador romano?
E tudo isso fica impune como se o corporativismo em que cada um pega um pedaço de pão e não mete a mão no pão do outro, protegesse os safados, que se escondem na ignorância do povão que não tem escola decente, hospital sem o mínimo de dignidade, segurança pública que parece um circo, onde a sensação de segurança é mínima e para completar sem os acordes de música da cidade porque o elefante está lá, imóvel, me desafiando a cada ida ao trabalho, me encarando cheio de arrogância, tripudiando da sua própria impunidade, debochando da minha inteligência e do meu senso de capacidade de gestão.
Fazendo outra analogia, seria mais ou menos como se a minha casa tivesse com o esgoto a céu aberto, goteiras no teto, infiltração na cozinha, mofo no quarto dos meus filhos, a geladeira vazia e eu resolvesse comprar um chafariz milionário feito por Gaudí, para colocar em cima de toda merda espalhada pelo jardim. Só que com um detalhe: Com o dinheiro do meu vizinho.
E nada acontece até que um Joãozinho qualquer resolva roubar um pão para alimentar os filhos em casa, porque está desempregado. Agora sim, escuto o som da indignação e vejo as luzes das sirenes, e esse safado vai ficar na cadeia por muitos anos. Quem mandou não ser político.
Enquanto isso, lá no apartamento de São Conrado, está tudo em ordem com o esgoto, com o telhado, com a cozinha, com o quarto das crianças e a geladeira está cheia. Só que um detalhe: Ainda estamos falando do dinheiro do vizinho.
Quanto ao Municipal, que vitrais maravilhosos. Estamos a espera dos espetáculos a preços populares. Será? E o Joãozinho? Esse, coitado, tá “fudido” para dar o exemplo.
Odeio política, mas o desabafo se faz necessário. Desculpe-me, mas foi mais forte que eu. Na melhor das hipóteses sem que tenha havido roubo do pão, Roma deveria ser ressarcida pela “incompetência” do imperador, mas isso é pura ficção num país que perdeu a vergonha no caminho de sua própria história.
Um dia, ainda paro no caminho do trabalho e dou uns tapas nesse elefante branco, sonso e debochado.
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